Quando eu tinha dez anos...


Passei a semana lembrando ou tentando imaginar como era quando eu tinha dez anos.

Eu havia perdido mainha há pouco mais e dois anos. Não tinha me adaptado à morar com Nega – o companheiro dela era violento e ameaçou me bater – só ameaçou, eu era atrevida e peitei ele. Eu, com 9 anos e pouquinho. Eu, gente. Eu!

Muitos diziam que era rebeldia pela perda. Talvez fosse. Ainda bem, né?

O ano era 1993, eu havia voltado pra casa de Manedim – meu avó e, por vezes, a minha referência de pai. Digo “por vezes”, pois papai era alcoólatra, como ele dormia pra beber e bebia pra dormir, não era sempre que ele tinha sobriedade pra ter pulso/ser pai.  Na casa, além dele, moravam Onaldo e Obedes, meus tios – irmãos. Sim, minha escola foi bem masculina. Inclusive, os responsáveis pelo vício em veneno (Coca-cola). Lembro claramente de quando um deles dizia: - Gabi, vá comprar a coca enquanto eu faço as torradas pro café. Ou quando o outro ia me pegar na escola e dizia: - vamos a pé hoje pra já jantar ali na frente da UnP. Tinha um cachorro quente espetacular na frente da UnP da Floriano, o caminho que a gente fazia quando saía do CIC pra descer pra casa.


Isso não fez de mim mais forte, ou mais protegida, ou menos feminina. Isso, contribuiu para eu ser a Gabriela que sou hoje. Ou Gabi Damásio. O nome pouco importa, o que vale é a essência.

 

Lá na minha casa, na Rua Condor, o banheiro ficava no quintal. No quintal, também tinha um chuveirão ótimo pra banho, e o beco de trás podia ver tudo que se passava no nosso quintal, era só pendurar o pescoço. Isso não empatava de Onaldo e Obedes só tomarem banho lá. Pelados. Quando eu tava em casa eles gritavam: -  não venha pro quintal, vou tomar banho.

Mas, e quando eu tava na rua, chegava me mijando (desde sempre) e corria pro quintal, pois precisava ir ao banheiro? Era fato, eu pegava eles “nu com a mão no bolso”. (kkkkkkkkkkkkkkkkk)

Só ouvia o grito: - tá doida, menina. Olhe pra lá. Como se eu olhasse “pras partes deles”. Eu preocupada só em não fazer xixi na roupa. Que não era nada difícil. Não é.

Eu amo essa casinha amarela, amo lembrar dela e de tudo de bom e ruim que vivi lá. Foi a minha melhor escola. Foi onde conheci o maior amor da vida - o que mainha tinha por mim. Foi onde mais chorei, mais perdi, mais aprendi. 

Nunca fui muito de brincar de boneca e nem de casinha/cozinhar. Também não gostava de brincar de polícia e ladrão e nem pique esconde. Ou seja, nunca fui menininha e sempre fui sedentária. 

Mas, eu amava colecionar papel de cartas, canetinhas, pular elástico e amarelinha. Sim, eu tive infância.

 

Lá na minha casa também tinham churrascos, bebedeiras, pegação e drogas. Desde cedo eu vi tudo. Teve uma vez que entrei em casa, fui direto para o quarto e quando entrei tinha um casal na cama de Nega – ela tinha uma cama lá em casa, quando apanhava do companheiro e voltava pra casa - no maior embrulhado. Não vi direito. Algum amigo de Obedes me pegou pelo braço e levou pro quintal, me sacolejando e fazendo graça, pra me despistar. (hehehehehehe)

Com 10 anos – DEZ anos - eu já conhecia muita coisa dessa vida. Eu já sabia o que era certo ou errado ou, aquilo que não era pra mim. Mas, teve uma coisa que me marcou muito nessa época: respeito. Dos meus tios-irmãos, dos amigos deles quando a casa tava cheia, de papai mesmo embriagado. Nunca, ninguém me fez esquecer que eu era só uma menina. Metida, atrevida, respondona, mas só uma menina.

Um dia eu me apaixonei na escola e até concordamos que estávamos namorando, mas quando ele se aproximava eu saía correndo.

Um dia eu me apaixonei no bairro, mas ele era “grande”, eu sabia que não teria chances, afinal eu era só uma menina.

Um dia eu cresci e, mesmo com todo esse histórico, eu posso dizer que nunca fui abusada.  Mesmo só com homens em casa. Mesmo com drogas e álcool, de certa forma, fui preservada ou escolhi ser, não sei dizer até que ponto isso era responsabilidade dos que cuidavam de mim e passou a ser minha.

A única coisa que sei é que, aprendi muito com tudo isso. Sobretudo a ser sempre mais eu. Ouvir as minha vontades e desejos e escolhas. Até demais, às vezes. Eu não fui vítima da minha história, eu fui protagonista. Eu sempre me escolhi. Ainda bem!

Esse texto não é para que tenham pena de mim. Não mesmo. É para vocês entenderem que, na vida, todos nós estamos passando por algo. Tenhamos 5, 10, 25 ou 50 anos. Não julguemos, não joguemos pedras, nem todos tem a mesma opção que você teve. Não precisa colocar-se no lugar do outro pra ter compaixão, até porque, só sabe quem passa.

Seja gentil, se importe, ofereça qualquer coisa para a outra pessoa, mesmo que você ache ser pouco, talvez seja o que aquela pessoa esteja precisando.

Gabi D. 

 

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