Gosto de Infância

São poucas as memórias que tenho de mainha. Ela partira quando eu só tinha sete anos. Além de ser demasiado cedo do meu ponto de vista imaturo da época. É bem difícil lembrar com detalhes após 30 anos.

Lembro que, com cerca de três anos, eu já aprontava das minhas e levei uma baita surra com suas chinelas de couro, lá em Caicó-RN, nossa cidade de origem. Lembro que, na calçada dessa mesma casa, um sapo cururu pulou sobre a minha barriga e, eu carrego esse trauma até hoje. Não posso ver uma pereca que dou chilique.

Era nessa mesma calçada que, toda tarde, subia o cheirinho de raivinhas e sequilhos preparados pelas “Cafumbós” – não sei o significado dessa palavras, contudo, era o nome dado às senhorinhas que preparavam essas delícias. Mas, essa ainda não é a comida que quero falar.


Agora uma lembrança boa, quando ganhei meu primeiro gradiente, não sei se foi no carnaval de 1989 ou 1990, o que eu sei é que meu tio Onaldo, que trabalhava na rádio, gravou uma fita k7 com marchinhas de carnaval e, eu fui cantando “varre, varre, varre vassourinhas” de Natal até Caicó. Mainha bem tentou me fazer calar a matraca, mas não tinha jeito, eu estava em êxtase.

Certa vez, nos tradicionais almoços de domingo que costumávamos ir, na casa de tia Altamira, cunhada de mainha, eu aprontei mais uma vez. Eu juro, não foi por maldade. Tia Altamira como boa anfitriã foi fazer o meu prato e cada coisa que tinha na mesa ela perguntava se eu queria.

- Feijão?

- Como não, tia.

- Arroz?

- Pode botar.

- Purê?

- Quero sim.

- Farofa?

- Coloque não, Altamira, ela não gosta – interveio Dona Nair, minha mãe.

Adivinha???

Respondi: eu gosto sim, a senhora que nunca me dá. Só quando é com ovo. Já senti o olhar dela me fuzilando, lembrei da chinela de couro – ainda bem que ela não tinha mais. Nessa tarde, não demoramos muito, mainha tava num ânsia de chegar em casa e eu, inocente, não fazia ideia do que me aguardava. Nos despedimos e ela nem esperou chegar na praça, já foi logo me chacoalhando pelo braço e descendo o sarrafo. Foi assim em todo o trajeto que o 46 - busão que faz a linha de Ponta Negra até Petrópolis.

Ao chegar em casa ela disse: - pegue a taxa maior que tiver. Taxa era como chamávamos frigideira naquela época. Eu vou pegar o pote de farinha e não importa o tanto que tenha nele, você só sai dessa mesa quando comer tudo. Eu ainda pensei em perguntar: - vai ter ao menos um ovinho? No entanto,  era melhor não provocar a fera. 

Éramos uma família humilde, o paneleiro e os potes eram de alumínio, bem parecido com as imagens abaixo. Eu só rezava pro da farinha ser o intermediário, já que eu sabia que os menores eram de açúcar e café.


 

Ela fez uma senhora farofa. E me fez também comer, entrava farinha por tudo quanto era buraco. Hoje eu não abro mão de uma farofinha. É a minha especialidade, inclusive. E toda vez que faço um panelão de farofa me lembro de Dona Nair. Ahhh... mainha, que saudade!

Mas, o que mais me faz lembrar dela é a farofinha de ovo mexido que se eu fechar os olhos sou até capaz de sentir o cheirinho. Descobri que era sua especialidade quando não tinha nada mais. E, era suficiente porque tinha amor. Não é minha comida favorita, mas é a que mais me leva pra nossa casa na rua Condor, casa de tanto amor e dor. Casa que eu aprendi a ser muito de quem eu sou. Já falei de amor, né? É porque era isso que ela era. Foi isso que ela me ensinou.





 

Gabi D.

 Texto produzido para o 2º desafio do Clube da Escrita, ministrado pela @anaholandaoficial.









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