Gabriela Damásio. 38 anos. Produtora de eventos. Venci a Covid duas vezes. Mas, pode me chamar de ansiedade.
Fui
diagnosticada com crise de ansiedade em 2013. Eu tive um gatilho e chorei por
mais de 5 horas. Tremia. Não comi nada. Isso tudo em casa, sozinha. Até que uma
amiga foi bater lá sem avisar, tampouco saber se eu estaria, ela só foi e me
encontrou nesse estado.
Numa
urgência o médico plantonista disse: o que você está tendo é uma crise de
ansiedade. Não é minha área, mas sugiro que você procure um psiquiatra imediatamente.
Meu
mundo desabou mais ainda. Eu não sou mulher de me autoflagelar e era assim que
eu estava me sentindo nesse dia. Sofri o que tinha pra sofrer, mas só o suficiente
mesmo. Não descartei o psiquiatra e psicólogo, mas relutei um pouco, não queria
admitir que permiti que alguém fizesse isso comigo.
Até
entender que não foi fulano que fez isso comigo. Foram várias situações que
vivi e, naquele fatídico momento, eu explodi. Como acontece com tantas pessoas
que guardam coisas dentro de si.
E
lá se vão oito anos convivendo com ela. Que teve outros tantos picos, até mais
fortes que esse relatado. Durante esse tempo conheci, também, a crise de pânico,
a fobia social e fiquei na faixa de gaza para adentrar na depressão. Conheci alguns
poucos psiquiatras, muitas drogas – que ainda tomo – e experienciei alguns
poços, uns mais fundos outros só um pouco.
Contudo,
nem só de coisas ruins é feita a ansiedade. Eu relembro desse episódio e vejo o
quanto evoluí de lá pra cá. Não me enchi de drogas e esperei que elas fizessem
o milagre de me curar. Eu fui estudar, me autoconhecer, meditar, entender os
gatilhos, nomear meus sentimentos, minha sintonia com Deus só fortaleceu, escolhi
o amor como religião, passei a semear gratidão como estilo de vida e escrever
me libertou de muita confusão.
Aí
chegou a Covid, eu acabara de chegar em São Paulo para arriscar. Estava
empregada há menos de um mês quando veio o Home
Office. Já comecei a puxar a pôrra do ar. Estava hospedada na casa de um
amigo, com apenas uma suíte que era dele e eu habitava sua sala. Imagine a gente
batendo testa todo dia. Enquanto eu não decidia se ia me mudar ou se voltava
pra Natal, não tinha Rivotril que desse conta.
Decidi
voltar e como num piscar de olhos o puxa-puxa de ar e a suadeira foram Deus
sabe pra onde. Até meu semblante mudou. A nossa mente é uma caixa de pandora.
Falarei mais sobre o poder que ela tem mais abaixo.
Era
meados de Dezembro, a semana estava bem agitada, tive um aniversário na
segunda, evento na quarta e outro na sexta, ambos em formato live. Na quarta me senti um tanto
cansada e com uma dor de cabeça descomunal, que eu coloquei na conta da
enxaqueca que me visitava vez em quando. Na sexta, ela veio de novo, menos
avassaladora, mas não menos perturbadora. Já no evento, fui avisada que uma das
pessoas do aniversário de segunda testou positivo. Uma amiga, que era a
aniversariante, ligara para contar e saber se eu queria ir no PS pra testarmos.
Não fui na sexta, estava em evento e acreditei que não estava infectada. Ela
também relaxou e foi pra casa.
No
sábado, ao acordar, já tinha mensagem dela dizendo que estava indo ao trabalho pegar
tudo pra se isolar, ia testar pois acordara com a respiração cansada e uma dor
no peito. Respondi rindo que o nome disso era ansiedade. O primeiro sintoma que
me acomete nas crises.
Dessa
vez eu fui. Passamos pela recepção, triagem, clínico geral que já prescreveu o
protocolo, mesmo sem ter o resultado e na sequência fomos ao laboratório fazer
àquele exame agradável de nome SWAB. Ela já queria ir na farmácia comprar o
coquetel para quando saísse o resultado iniciar. Eu queria mesmo era chegar em
casa e colocar a cerveja pra gelar. Pensei: vai que por uma ironia do destino
eu estou com essa bexiga vou passar uns dias de molho, umeno me despeço desse
fds lindo.
Estou
eu na minha varanda, tomando a minha cerveja e ouvindo meus sambas quando chega
o email: SARS- Cov 2 – Detectado. O da aniversariante? Negativo. Eu não disse
que o que ela sentia era ansiedade? (kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk)
Não
tive nada, Deus foi muito generoso comigo. Como se não bastasse, tenho uma
infecto na família, que me acompanhou diariamente por vídeo chamada, claro. 26
de dezembro estava de alta. Venci a Covid.
A
esperança que cogitávamos com a chegada do novo ano foi por água abaixo. Exatamente
em dezembro começamos a viver o começo do que seria a segunda onda, essa veio
mais contagiosa, mais forte, mais cruel – os ignorantes acreditavam ser só em Manaus.
E, o que eu já bradava, desde abril/maio só
iria piorar. A saúde mental vai matar mais que Covid. AVC, Infarto, suicídio tá
levando muita gente que não tá sabendo lidar com esse novo normal – fecha tudo
de novo, caos na saúde, caos nos governos, caos na economia – tenho muito medo
de como as pessoas iram lidar com mais um ano assim. E com cenário ainda pior.
Decidi
comemorar meu aniversário, lembro de dizer, sabe-se lá se estarei aqui ano que
vem. O dia 8 de fevereiro foi numa segunda e eu desmoralizei a segunda mesmo.
Ou melhor, eu tentei. Lembra quando disse há dois parágrafos que vencera a Covid?
Venci foi nada, ela me pegou de novo. Eu já estava doente e não sabia, afinal
no sábado consultei dois médicos por whats mesmo e eles afirmaram: “Não existe
nenhum dado na OMS de reinfecção por menos de 90 dias.”
Três
dias depois de comemorar a vida, eu dava entrada num PS crente que tomaria uma medicação
mais forte, porém, não saí mais de lá. Foram 15 dias de internação, sendo 5 na
UTI, o tempo todo consciente que eu não sei dizer se é bom, ver o paciente do box
ao lado do seu tendo parada cardíaca, médicos e enfermeiros num mutirão e você
lá assistindo tudo; querendo fazer xixi e cadê coragem de apertar o botão? Era
só um xixi, o cara do lado precisava de todos que fossem necessários.
Tomei
meu último banho no banheiro sentada numa cadeira, graças a enfermeira Elaine,
era só o meu segundo dia de internação. Depois desse, só banho no leito, com
lenço umedecido e duas pessoas que você não faz ideia de quem sejam lhe virando
pra lá e pra cá tentando fazer o melhor possível.
Vulnerabilidade,
dependência, solidão, medo foram alguns dos sentimentos/gatilhos que vivi.
Mesmo assim, eu fiz um esforço sobrenatural para não surtar. Evitei olhar o
celular porque as pessoas fazem cada pergunta, meu Deus. Lia, escrevia e me
viciei na novela de Bibi.
No
dia que fui levada pra UTI, era 00h20 quando fui acordada no susto por uma
enfermeira que, eu gostaria de chamar de despreparada, mas penso que ela estava
mesmo era com medo de perder mais alguém no seu plantão. Eu fui praticamente sequestrada,
ela não me dizia nada, não me deixava entender, só chamava o maqueiro e mandava
que uma técnica juntasse minhas coisas. Tinha coisa pra caralho, dois diários,
livro, nécessaire no banheiro, chinelo e ainda tive que ligar pra minha mãe de
00h28 pra dizer: “tô indo pra UTI, venha amanhã pegar minhas coisas.” Então,
pela primeira vez eu chorei.
Tiraram
meu celular, meus diários e livros. Nada fica na UTI, só a nécessaire com
coisas de higiene. Lá o tratamento era VIP, Jane e Alci davam meu banho com
amor e cuidado, passavam hidratante nas pernas e traziam copinhos de água pra
eu escovar os dentes. Pelo menos tinha uma TV, embora eu não aguentasse ver os
números devastadores da COVID no país. Ficava me perguntando quando eu ia virar
um número. Não virei. Tô aqui contando a história. Ufa!
Em
nenhum momento dessa saga eu tive medo de morrer. Sempre acreditei em vida após
a morte. Aprendi com a Ana Cláudia Quintana Arantes que a morte é um dia que
vale a pena viver. E com Um curso em
milagres aprendi que a morte é só uma ilusão. Eu tava em paz, se fosse a
vontade do Pai. Não foi.
Lembra
quando falei do poder da nossa mente? Depois de relatar toda essa saga você
deve estar imaginando que eu era a surtada do hospital mas, pasmem, não tive
crise nenhum dia se quer. Eu lutei muito comigo mesma, pensava eu já tenho
coisas demais pra lidar, uma ansiedade não vai me ajudar em nada nesse
processo. Todos os dias eu tinha dor de cabeça e tenho certeza que era do meu
esforço surreal pra não ficar nas bad
vibes.
Recebi
alta numa sexta, dia 26 de fevereiro. Na terça, 02 de março eu desabei. Acho
que lutei tanto pra controlar a ansiedade no hospital que, quando relaxei, veio
uma enxurrada de lágrimas e chorei uma tarde toda. Agradecendo por ter tido
outra oportunidade de viver; triste pelos números; angustiada com dois amigos que
estavam um com o pai, o outro com a mãe na UTI, já de idade, com dificuldades e
não tem como não sentir. Faltou o ar e não tinha exercício respiratório que ajudasse.
Mas, depois que chorei tudo que tinha preso, aliviou. Eles perderam seus pais. Mais
pessoas estão partindo e, infelizmente, o número que vence não cresce na mesma
proporção. A disputa é desleal. E, é preciso não ser humano para não se
sensibilizar.
Desde
que saí do hospital, estou procurando aqui dentro de onde tirei
àquela força pra controlar minha mente. Ainda não achei, mas sigo buscando.
Seja nas leituras, nas práticas ou até mesmo quando escrevo essa história.
Gabi
Damásio, mas pode chamar de ansiedade.
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Texto produzido para o 1º desafio/MAR do Clube da Escrita,
ministrado pela @anaholandaoficial.
O
primeiro encontro de Março nos desafiou a transformar estatística em história.
O tema: os casos de depressão e ansiedade no Brasil em virtude da pandemia.
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