Flutuando no ar

Ouvir a canção Aria, tocada pelo violoncelista Antonio Meneses e o pianista André Mehmari me levou lá para o ano de 1990. Mais precisamente dia 18 de setembro. Era finalzinho da tarde. Ana deixou a gente na casa de vovó Maria. Ficamos correndo pelo alpendre. Notei a movimentação na igreja. O sino badalou. Não lembro quanta vezes.

Lembro de ter dito: - Acho que alguém morreu.

Carol perguntou: - Como você sabe?

Respondi: - Repare que tem algo escuro no meio da igreja, parece um caixão.

Então, vovó Maria nos chamou na sala e com toda sua docilidade, gentileza e amor, nos contou que Vovó Nair tinha ido morar com papai do céu.

Eu, no auge dos meus 7 anos, só consegui dizer: - Ela nem me esperou? E comecei a chorar. Ainda não tinha noção do que aquilo significava de verdade. Eu só conseguia pensar que ela havia ido sem me levar.

Mainha me levava pra todo lugar. Como se fossemos uma. Nós éramos. Por que pro céu havia de ser diferente?

Enquanto vivo o dedilhar das cordas desse violino, sinto minha garganta fechar. Meu peito sufoca. E nenhuma nota desse piano parece bombear o ar. Ao passo que me sinto flutuar como numa dança, sobrevoando Caicó e cada cantinho que passei desse fatídico dia.

É como se a música me transportasse para uma dimensão além daqui. E eu, coberta por uma névoa branca, vejo cada detalhe que, minha inocência deixou passar desapercebida.

Lembro de irmos pra casa nos arrumar para o velório. Sim, não nos pouparam de nada. Permitiram que a gente pudesse se despedir. Ainda bem. Embora, eu não conseguisse chegar até lá.

Agora eu consegui. Ela tava tão linda. Tão serena. Em paz. É isso que acontece quando a dor nos dar uma trégua. E nos leva para os braços do Pai.

Mainha, desculpa te cobrar. Te culpar. Questionar. Eu só queria ir contigo. Não importa qual fosse o lugar. Daqui de cima é bem melhor de estar. Sei que a senhora está muito além. E que está num ótimo lugar.

Sei que ainda vamos nos encontrar. Já não dói mais como lá atrás. Amadureci. Seus valores e ensinamentos seguem comigo. Sou um bom motivo para senhora se orgulhar.

 

Até logo,

Gabi D. 

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Desafio 001Jun do Clube da Escrita, ministrado pela @anaholandaoficial.

O primeiro desafio de Junho nos propõe escrever um texto a partir de uma música, mas não era qualquer música. Era essa, a seguir, tocada pelo maior violoncelista do Brasil. Apenas.  https://open.spotify.com/track/34RSmc55NzQHizuzWdjEsB?si=7422b081cc7e4e41

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